segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Mitologia Afro-Brasileira - deuses e deusa




Das centenas de divindades cultuadas pelos povos africanos que vieram para o Brasil, apenas uma quantidade bem reduzida recebe devoção nos terreiros, ao lado daquelas que nasceram aqui, brasileiras, sobretudo na umbanda. Deste vasto panteão, os orixás são os deuses mais populares. Alguns deles são mais conhecidos como Iemanjá, Ogum e Xangô, este último tão difundido que virou nome da religião em Pernambuco.


Acredita-se, no candomblé, que todos somos filhos de orixás. Os principais são o orixá da frente ( de quem se diz é filho) e o de "trás" (conhecido como "segundo santo" ou juntó). Daí o pai-de-santo tocar com a mão a testa e a nuca quando quer saudar estas entidades, respectivamente. Esses dois deuses formam um casal que protege seu filho como se fossem pai e mãe. Outros deuses complementares também compõem com estes principais o "enredo de santo" do filho, totalizando um número que não passa de sete na maioria dos terreiros. Eles são referidos como terceiro santo, quarto santo e assim sucessivamente. Finalmente, o erê, espírito infantil, fecha o panteão pessoal no candomblé.

Quando uma pessoa quer saber a que deus pertence, consulta o jogo de búzios, principal oráculo da religião. Esse jogo consiste no lançamento de 16 conchas (cauris) pelo pai-de-santo numa peneira. Conforme a posição em que caem (se com a face aberta ou fechada para cima), indicam um signo (odu) associado a um mito do qual um ou mais orixás são protagonistas. Dessa forma os deuses "respondem" a cada lance do jogo e podem inclusive identificar que são seus filhos. Acredita-se que em geral, as pessoas trazem as marcas de seu pertencimento ao orixá no se comportamento ou nas suas características físicas, que tendem a reproduzir aos dos deuses. Assim, pessoas magras e ágeis podem ser de Oxóssi; lentas e calmas, de Oxalá; fortes e vaidosas, de Xangô etc. Confira na sequência, os principais deuses, suas características, mitos associados e algumas preferências.



EXU

Divindade mensageira entre os homens e os orixás e destes entre si. Um  dos deuses mais polêmicos das religiões afro-brasileiras. Desde sua origem na África está associado ao poder de fertilização e à força transformadora das coisas. Nada se faz, portanto, sem sua permissão. Entre os objetos que o representam está o ogó, instrumento de madeira esculpido em forma de pênis e adornado com cabaças e búzios, que representam os testículos e o sêmen. Espírito justo, porém vingativo, Exu nada executa sem obter algo em troca e não esquece de cobrar as promessas feitas a ele. Um mito iorubano conta que dois amigos esqueceram de fazer as oferendas devidas a Exu. este colocou então na cabeça um chapéu pintado de um lado vermelho e de outro branco. Ao passar entre os dois amigos, cumprimentou-os e prosseguiu. Os amigos intrigados se questionaram: " Quem seria o andarilho com aquele chapéu vermelho?". O outro retrucou: "Não, o chapéu era branco". Discutindo a respeito da cor do chapéu, os amigos começara a brigar até se matar... O dia de Exu é a segunda-feira, dia das almas no calendário católico, e sua comida preferida é o galo, farofa de dendê, pimenta e cachaça. Por ser o mensageiro entre os mundos, também esta relacionado com a morte, por isso recebe oferenda em cemitérios e na encruzilhadas (onde os caminhos se encontram). No rito jeje, o deus mensageiro e Elegbará, Legba ou Bará (conforme se diz no batuque gaúcho). No rito angola é Aluviá.



OGUM

É o orixá da guerra e do fogo. Conhecido também como ferreiro, é uma espécie de herói civilizador africano à medida que conhece os segredos da forja necessários para a fabricação de instrumentos agrícolas e de guerra. Por isso, seus símbolos são a espada e ferramentas como a enxada e a pá. No mito, Ogum teria sido filho do rei Odudua, fundador da cidade de Ifé (o principal centro divulgador da cultura iorubana da África) e conquistador de vários reinos. No Brasil, suas virtudes para o combate o aproximavam dos santos guerreiros como santo Antônio, que já no século XVI era considerado protetor dos portugueses contra os invasores luteranos. Santo Antônio recebeu diversas honrarias militares nas províncias brasileiras; foi alistado como soldado, chegando inclusive a ser promovido a capitão pelo governador da Bahia em 1705. Outro sincretismo de Ogum foi com são Jorge, ocorrido principalmente no Rio de Janeiro. Este santo guerreiro, retratado em seu cavalo, de onde combate e vence com uma lança um dragão, era também venerado pelo Exército. Na guerra do Paraguai, na qual lutaram muitos negros, atribuiu-se à proteção de são Jorge (e, portanto, a Ogum) a vitória dos brasileiros na Batalha de Humaitá. No rito jeje, corresponde a Ogum o vodum Doçu, filho do rei, tido como cavaleiro que dança usando um chicote e também associado a são Jorge. No rito angola, o deus guerreiro é Incoce ou Roxo Mucumbe.
OXÓSSI

Orixá  da mata, caçador que retira desta seu sustento e o da sua tribo. Na África, era cultuado pelas famílias reais da cidade de Kêto, da qual fora rei. No Brasil, tornou-se padroeiro desta nação e uma das divindades mais populares do candomblé. Em alguns mitos, Oxóssi e Ogum aparecem como irmãos, lembrando que também era função dos caçadores combater os inimigos e, ainda, a importância dos instrumentos de ferro forjado para a caça. No rito jeje, o deus da caça é Azacá. No rito angola, é Mutacalombo e Congombira. Na Bahia, Oxóssi foi associado com são Jorge, por ser este santo um "caçador de dragões". No Rio de Janeiro, foi associado com são Sebastião, talvez pelo martírio deste santo, que é representado amarrado a uma árvore e com o corpo cravado por flechas. Em Pernambuco, o deus africano da caça é visto como são Miguel, o anjo "caçador de demônios" que vence com uma espada.


OBALUAIÊ, OMOLU, XAPANÃ

Orixá das doenças, das epidemias, da varíola e demais enfermidades contagiosas e de pele. Obaluaiê traz no próprio corpo as marcas de todas as doenças que carrega. Por este motivo, veste-se com um chapéu em forma de manto feito de palha-da-costa (fios desfiados de dendezeiro), para que ninguém veja o seu corpo. No Brasil, o culto a Obaluaiê revestiu-se de grande seriedade e temor devido aos poderes que lhes são atribuídos de curar ou de espalhar a peste. No período colonial, devido à grande incidência de doenças contagiosas a que estavam expostos os escravos e a população em geral, seu culto foi associado aos dos santos católicos protetores dos homens contra os males físicos, como são Lázaro, que traz o corpo coberto por chagas. Para obter a proteção de Obaluaiê e de são Lázaro, nas igrejas destes santo, em Salvador, todas as segundas-feiras os devotos do candomblé costumam espalhar pipocas pelo chão, o alimento preferido de Obaluaiê, que lembra as marcas deixadas pela varíola em sua pele. Obaluaiê também foi associado com são Roque, santo que dedicou sua vida a tratar dos doentes emprestados. Cona-se que são Roque, tendo contraído o vírus da peste, retirou-se para uma choupana, onde um cachorro das imediações todos os dias levava um pão para o seu sustento. Curado milagrosamente, volta para a sua cidade natal, onde por injustiça é preso, vindo a morrer no cárcere. No rito jeje, o deus das doenças é Acossi Sapatá, e no rito angola é conhecido, entre outros nomes, por Cavungo ou Cafunã.


OXUMARÊ

Orixá cuja representação é a cobra que morde a própria cauda, aludindo ao ciclo dos movimentos e das transformações. Associado ao arco-íris,  veste-se com colares de búzios, que representa a riqueza da qual é provedor. Um mito narra que nasceu do ventre de sua mãe, Nanã, como menina, chamada Bessem, porém depois se transformou em cobra. Por isso, em muitos terreiros, pode ser masculino e feminino, alternadamente. Os ciclos da chuva e seca, que se alternam também, são considerados consequências das transformações místicas de Oxumarê.


OSSAIM

Divindade das folhas, ervas e medicamentos feitos a partir delas. Seu domínio é o mesmo de Oxóssi, a mata. Pela importância litúrgica que têm as folhas no candomblé (na louvação dos orixás, na preparação de banhos rituais etc.) e pelos seus poderes medicinais, o culto a Ossaim desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do candomblé. Tido muitas vezes como divindade que possui apenas uma perna, Ossaim foi associado com alguns "encantados" dos mitos indígenas, como o caipora indígena e posteriormente o saci-pererê, que também possuem apenas uma perna e habitam as matas brasileiras. No rito angola, o inquice das folhas é chamado de Catendê e no rito jeje é Aguê. Ossaim pode aparecer associado com são Benedito, são Roque e são Jorge.


XANGÔ

Rei da cidade de Oyó, uma das principais de língua ioruba, esse orixá aparece nos mitos como senhor dos raios e do trovão, aquele que solta fogo pela boca. Seu símbolo é o machado de duas faces. Normalmente, quando seus filhos o incorporam nos candomblés, usam uma coroa mostrando a condição de rei deste orixá. Foi associado com são Jerônimo, que é retratado como um velho imponente sentado ao redor de livros e tendo aos seus pés um leão, símbolo da realeza entre os iorubás. No rito jeje, o vodum Badé-Quevioso é um dos responsáveis pelo controle dos astros, raios, trovões e tempestades. Geralmente é festejado no dia de são Pedro, com que também é associado por ser este santo católico o "porteiro do céu" e ser retratado nas nuvens. No rito angola, seu nome é Zaze.



OXUM

Divindade da água doce dos lagos, fontes e cachoeiras. na África, está relacionada com a fertilidade das mulheres e com a riqueza dela decorrente, já que é pela procriação que se garante a continuidade das famílias e a subsistência das comunidades. Por estas características seu culto no Brasil foi somado à Nossa Senhora da Conceição. Sua cor é o amarelo e sua insígnia e o ababé (leque com espelho). O correspondente Oxum no rito jeje é Aziritoboce. E no rito angola é Quissambo ou Samba.



LOGUNEDÉ

Na África, é um orixá da caça, filho de Oxóssi (Erinlé) com Oxum. No Brasil, é cultuado como divindade "meji" ou "meta-metá", pois seis meses vive no domínio de sua mãe, as águas, onde se apresenta como mulher e se alimenta de peixes,e seis meses vive no reino de seu pai, as matas, onde se apresenta como homem e se alimenta dos animais que caça. Por este motivo, é considerado provedor, ágil e esbelto, como seu pai, e vaidoso, volúvel e dengoso, atributos de sua mãe. Em homenagem aos seus pais, suas cores são o azul e o amarelo e suas insígnias, o arco e flecha e o abebé.



IANSÃ OU OYÁ

Deusa dos vento, raios e tempestades, domínio que divide com seu marido Xangô. o culto aos mortos também está relacionado a Iansã, que segundo o mito, preparou roupas especiais para vestir os mortos (chamados de egungum), que assim poderiam voltar à Terra e falar com seus descendentes. Sob o culto de Iansã, a devoção às almas presente no catolicismo popular pôde encontrar correspondência. Iansã também foi associada a santa Bárbara, que atraiu a fúria de seu pai ao se converter ao catolicismo. Condenada à morte, foi o próprio pai que lhe cortou a cabeça, ato seguido por uma terrível tempestade e um raio que atingiu o executor da santa. Por este motivo, santa Bárbara tem a seu favor o poder dos raios, dos ventos e da tempestade, como Iansã. A imagem de santa Bárbara é uma mulher jovem com uma espada, o que contribuiu ainda mais para associá-la ao caráter guerreiro de Iansã. No rito jeje, aentidade dos trovões é Sobô. No rito angola, ela é chamada de Bambuburucema ou Matamba.


OBÁ

Orixá guerreira, foi a terceira mulher de Xangô. na Nigéria, é cultuada no rio que leva o seu nome e cujas águas se encontram com as do rio Oxum, outra esposa de Xangô. Os mitos contam que essas duas entidades são rivais na disputa pela atenção do marido comum. Um desses mitos narra Oxum como exímia cozinheira, que finge preparar um prato feito com a própria orelha para ofertar a Xangô. Obá, instruída por Oxum e acreditando que o marido apreciava aquele manjar, corta a própria orelha para lhe servir. Descoberta a fraude, Obá investe contra a rival. Xangô, enfurecido com o episódio, atira-se sobre as duas, que, ao fugir se transformam em rios. Nos terreiros, Obá, ao dançar, esconde com uma das mãos ou com um pano amarrado à cabeça a região da orelha decepada.


NANÃ

Nanã Buruku é considerada uma divindade anciã. Seu domínio é o barro, ou a terra umedecida pela água, que serviu de matéria-prima com a qual os homens teriam sido criados por Oxalá. Por isso, está associada tanto aos primórdios do mundo como à morte, pois a ela retorna o corpo dos homens depois de mortos. Seu  culto reveste-se de muita solenidade. É tida como a mãe de Obaluaiê e sua principal insignia é o ibiri, espécie de bastão (ou vassoura) em forma oval, feito de nervuras de folhas de palmeira e que representaria o ventre de onde teriam surgido os homens e os deuses antepassados. Quando incorporada, dança lentamente como que se apoiando num cajado com o qual remexe a terra umedecida. está associada a santa Ana.


IEMANJÁ

Divindade das águas, tida como mãe de todos os outros orixás. Na África, era um rio que para fugir de seu marido desembocou no mar, onde passou a viver junto de sua mãe Okum. No Brasil, é cultuada sobretudo no mar, sendo associada com outros "encantados" das águas, de origem indígena. Daí ser louvada também como Rainha do Mar, Janaína, Mãe D'água, Sereia, Iara etc. No rito jeje, a divindade da água salgada é Abé, representada pela estrela guia que caiu no mar. No rito angola, o mar é representado por Mãe Danda (Dandalunda) ou Quissimbe. A festa de Iemajá, quando é costume dos devotos levar presentes ao mar, tem reunido milhares de pessoas e vem sendo realizada desde o século passado em praias, diques, fontes e lagos ao longo de quase todo o litoral brasileiro e em várias cidades do interior. Devido à relação de Iemanjá com a maternidade, seu culto no Brasil foi aproximado ao de Nossa Senhora em várias louvações.



OXALÁ

Grande orixá da criação. No princípio, Oxalá foi designado por Oludumare (O Ser Supremo) para criar todo o mundo, tendo para isso recebido o "saco da criação" e o poder de realização (axé). Contudo esqueceu-se de fazer as oferendas a Exu, que resolveu se vingar provocando-lhe uma enorme sede. Desesperado, ele se embriaga com vinho de palmeira e adormece. Olodumare, ao saber do ocorrido, designa Odudua, o segundo deus criado depois de Oxalá, para substituir o orixá embriagado. Odudua espalha, então, a substância do saco da criação sobre a superfície da água até formar um monte. Neste monte coloca uma galinha, que ciscando vai espalhando continuamente a terra até cobrir a superfície das águas. Foi neste monte que se eregiu a cidade de Ifé, centro da religião iorubá. como consolação coube a Oxalá modelar com o barro o corpo dos homens sobre o qual Olodumare soprou para dar-lhe vida. Devido a estas características, o culto a Oxalá foi relacionado com a devoção católica a Jesus, também filho do criador supremo e salvador dos homens na Terra. Exemplo dessa associação entre Jesus e Oxalá aparece numa das festas mais populares na Bahia, a lavagem da igreja do senhor do Bonfim, que alude a um mito africano. O velho Oxalá resolveu visitar seu amigo Xangô, rei de Oyó. Após longa jornada, ao entrar nesta cidade, encontrou perdido o cavalo de Xangô. Tentando amansá-lo, foi visto pelos soldados do rei, que logo o tomaram por um ladrão. Oxalá foi atirado na prisão e lá ficou por sete anos. Durante esse período grandes catástrofes acometeram o reino de Oyó: seca, epidemias e esterilidade das mulheres. Xangô consultou o adivinho e ficou sabendo da prisão injusta de seu amigo Oxalá. Como forma de desculpar-se, ordenou que todos de seu reino vestissem roupas brancas (a cor de Oxalá) e buscassem água três vezes seguidas para banhar Oxalá. Na lavagem da igreja do Bonfim o costume católico de lavar o chão da igreja como ato de devoção forneceu à população uma ocasião de comemorar o banho de Oxalá. Assim, até hoje, os adeptos do candomblé, vestidos de branco e carregando na cabeça jarros com água, fazem uma grande procissão até a igreja onde lavam seu chão com a água dos jarros, homenageando ao mesmo tempo o Senhor do Bonfim e revivendo o mito de Oxalá. O avatar jovem deste orixá é Oxaguiã. No rito jeje, a criação ficou a cargo do par Mavu-Lissa. Mavu representa o princípio feminino e é completada por Lissa, o princípio masculino, representado pelo Sol. No rito angola, a divindade da criação é Zambi ou Lemba.




ERÊ

Tido como espírito infantil, o erê desempenha a função de falar pelo orixá, que em geral não fala, a não ser em raras ocasiões. Cabe também ao erê manter o transe do iniciado durante certos momentos rituais, como, por exemplo, quando este está sendo paramentado com as vestes e insígnias do seu orixá ou mesmo quando é necessário cumprir tarefas cotidianas no terreiro. Ao final de longos períodos de transe, os erês geralmente são chamados para "amenizar" o retorno do indivíduo à sua consciência. os erês em geral comportam-se como crianças, pedindo balas e doces às pessoas e se expressando com a dificuldade típica das crianças que ainda estão aprendendo a falar. Chupam chupeta e muitas vezes falam coisas embaraçosas por ainda não estarem cientes das regras sociais, ou mesmo porque querem provocar confusões para se divertir.







Referência Bibliográfica:

Revista História Viva - Grandes religiões volume 6 - Cultos Afros - São Paulo, Duetto.
Fonte: Texto copiado na íntegra do blog: